Se você cresceu nos anos 1980 ou 1990 provavelmente se lembra de vários casos de publicidade para crianças: seja para brinquedos, roupas e até mesmo alimentos. Mas hoje em dia estes anúncios existem quase que exclusivamente nas nossas lembranças, já que este tipo de comunicação atualmente não é permitido no Brasil.

Em primeiro lugar, é preciso compreender o que configura publicidade infantil, para entendermos melhor por que ela se tornou proibida. Trata-se de todo esforço de Marketing e divulgação voltado a crianças e que tenha como objetivo vender produtos ou serviços. Embora os decisores de compra na maioria dos casos sejam os pais, a criança é entendida como um importante influenciador, o que, no Marketing, justificaria o direcionamento da comunicação.

O problema é que, justamente por ainda não terem capacidade de discernimento entre real e ficção ou sobre o que seria um bom custo-benefício, a publicidade para crianças é considerada uma prática abusiva. Em diversos locais do mundo, incluindo o Brasil, ela vem sendo proibida.

O que diz a lei sobre publicidade para crianças

Há vários instrumentos legais que versam sobre a publicidade infantil no Brasil, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), o Código Brasileiro de Autorregulação Publicitário e o Marco Civil da Primeira Infância.

O CDC, por exemplo, diz em seu artigo 37 que “é abusiva a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança”. Ou seja, a publicidade infantil seria uma forma de se aproveitar da vulnerabilidade das crianças em relação ao seu julgamento.

A Resolução 163 do Conanda é ainda mais incisiva em relação a este assunto, considerando abusiva a prática do direcionamento de publicidade e comunicação mercadológica a crianças, com intenção de persuadi-la para o consumo. Os artifícios proibidos pelo Conanda são:

– Linguagem infantil, efeitos especiais e excessos de cores;
– Trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança;
– Representação de uma criança;
– Pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil;
– Personagens ou apresentadores infantis;
– Desenho animado ou de animação;
– Bonecos ou similares;
– Promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelo ao público infantil;
– Promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil.

A resolução causa polêmica em diversos segmentos de mercado justamente por vedar completamente qualquer esforço de comunicação voltado às crianças. O que as entidades e empresas cobram é um modelo mais detalhado, que diferencie uma publicidade infantil adequada daquela considerada abusiva, regulamentando o setor.

Os problemas causados pela publicidade para crianças

Além de ser considerada abusiva por se aproveitar da vulnerabilidade da criança em relação ao seu julgamento, a publicidade infantil pode ter outras consequências, afetando a saúde e desenvolvimento dos pequenos:

Consumo de alimentos industrializados: guloseimas em geral possuem um forte apelo com o público infantil, o que levou muitas marcas a direcionarem seus esforços publicitários a elas, seja com o licenciamento de personagens ou comunicação explícita para crianças (quem aí se lembra de um chocolate que era “proibido para adultos”?). O problema é que a maioria destes produtos são ultraprocessados, com alto valor calórico e altos teores de gorduras e sódio, e baixo valor nutricional. Consumir esporadicamente não tem problema, mas se este tipo de alimento tiver uma participação muito grande na dieta da criança, pode afetar sua saúde e desenvolvimento.

Aumento da obesidade infantil: praticamente uma consequência do item anterior, a obesidade infantil é um problema observado em todo o mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) já existem mais de 340 milhões de crianças obesas no planeta – no Brasil, a previsão do Ministério da Saúde é que metade da população infantil seja obesa até 2022.

Consumismo e bullying: crianças não entendem que o anúncio de um produto tem o objetivo de vender e são facilmente persuadidas a acreditar que realmente precisam daquilo. Estar exposta a esta publicidade constantemente não irá melhorar este senso crítico para formar um adulto mais responsável em relação às suas decisões de compra. Além disso, muitos comerciais no passado se valiam de uma espécie de bullying ao comunicar seus produtos, como se eles agregassem algum status ou validação social em relação àquelas crianças que não tinham determinado produto.

Adultização das crianças: sim, no passado alguns comerciais com crianças lidavam com erotização de crianças e adolescentes, seja entre elas ou até mesmo com adultos presentes. Um caso recente envolveu um comercial de calçados da personagem Hello Kitty em que meninas eram elogiadas pelos meninos por usá-los – a empresa foi condenada por erotização precoce.

Como fica a publicidade para crianças na internet?

Resolvida boa parte dos anúncios infantis em meios convencionais, a internet se mostra um espaço ainda mais desafiador. O público infantil, que antes dominava o consumo de TV, agora está nos computadores, tablets e smartphones: uma pesquisa da Intel Security de 2015 apontou que 83% dos internautas entre 8 e 12 anos estão ativos nas redes sociais.

Apesar de empresas como o Facebook e o Google terem políticas que proíbem a exposição das crianças à publicidade infantil, há diversos criadores de conteúdo e influenciadores voltados exclusivamente aos pequenos. Aliás, o problema não é disponibilizar conteúdo, mas o tipo de material divulgado, com unboxings e demonstrações de produtos acompanhados de linguagem persuasiva – exatamente o que foi vedado na publicidade infantil.

Falar sobre publicidade para crianças é delicado, justamente porque envolve a responsabilidade de todos: anunciantes, agências, canais de comunicação, órgãos regulamentadores, pais e professores. Ao mesmo tempo em que a proibição limita a exposição à propaganda, crianças ainda têm contato com marcas e produtos o tempo inteiro. Cabe à sociedade como um todo ajudá-las neste amadurecimento sobre a tomada de decisão e o consumo consciente.

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